"Lhe digo Zica, exésti
história tão verdadera, mar tão verdadera que até parece qui foi inventada.
Sabe que ocê tem razão homi...
Certa vez, tava eu com meu segundo marido, Antenor, pai dos meu oito fiinho do
meio, lá pros lado da Vila Euclides, era um dia moiado, como era di costumi por
aqui, naquele tempo a garoa era constante e a serração descia cedo. Quando deu
final da tarde e já íamo recoiê as coisa pra imbora vimo um pequeno funeral em
direção ao cemitério. Duas muié na frente e quatro homi carregando o caixão.
Fiquemo oiando pra modi vê se era
alguém conhecido, mas não reconhecemo ninguém. Peguemo nossas coisa e fumo pra
casa. Lá chegano fui logo preguntando pra minha mãe, que nessa época já era
viúva de meu pai e morava com a gente, quem tinha morrido, ela falou que
ninguém, e se ela falou era verdade verdadera, pois ela sempre escutava o radim di pia que noticiava os falecimento
das pessoa que moravam na vila. Mas como não?! Tinha visto um funeral! Minha
mãe dissera que divia sê alguém que morreu sem um enterro e aí a alma vorta e
fica vagando, só sussega quando tem um enterro descenti.
Credo em cruz, Zica! Pois te
digo, Zuza, é verdade mesm. Naqueles tempo São Bernardo era tomada por
assombração a noite. Crem Deus Pai, Zica! Num gosto de fantasma não. Lhe digo
Zuza, não foi uma nem duas veiz que a noite recebemo visita de espríto
vagabundo, foi pra mais de monti. Eu já tava casada com meu tercero marido,
Antoninor, vinte ano mais novo que eu, pai dos meus seis úrtimo fio... Ocê hem Zica,
casô com os três fii de Dona Cotinha, ocê num era fácir não, hem fia? Quantos
fii ocê teve no final dos três casório? vinte e seis. Tenho curpa de tê muita
energia? Hihihi. Agora ocê, né homi... Num casô nem deixô uns rebento por aí.
Muié eu sei que ocê teve de monti, me lembro bem da Zeferina... Num me fale
daquela uma, Zica. A Zuza não careci de ficá cabisbaixo prucausa dos chifre que
ela te botô... Oh Zica, continue contano o causo de assombração que é mió. Bão, na casa de madera, que moremo
lá na estrada dos Alvarenga, quase toda noite aparecia uma visita indesejada. Premero
a gente escutava assim: “posso jogá?” E a gente respondia: “pode.” É lá vinha
um pé. “Posso jogá?” “Pode.” E lá vinha o outro pé. “Posso jogá?” “Pode.” E lá
vinha a perna esquerda. “Posso jogá?” “Pode.” E lá vinha a perna direita. E
assim ia a noite toda, até que o corpo tava montado e a alma penada saia
andando porta à fora. Credo em cruz Zica, nunca tinha escuitado história como
essa. É verdade mesm, Zuza. No dia seguinte a gente acendia vela praquela alma
no pé do cruzero da igreja. Pra modi
ela não vortá mais. E não vortava. Naquela época por aqui, muitas pessoa murria
de morte murrida nesses campo à fora. Eu mesma já achei muito cadáver quando
labrava os mato. Tinha muito bicho grande por essas banda, homi, já lhe disse
isso. As pessoa saia pra í ali e num vortava mais. As veiz o corpo era achado,
otras não.
Que
histórias Zica! É Zuza, são história a muito esquecidas... Dium tempo que não
exésti mais."Esses dois causos quem nos contou foi Dona Maria Zanatta, 86 anos. Nasceu em São Bernardo e daqui nunca saiu, atualmente mora próximo ao hospital Anchieta, região central da cidade. Foi essa bela senhora, descendente de italianos, que mantém um sotaque carregado, mistura do português com o italiano, que nos contou como era a vida nos “rebalde” da Villa, os bichos que aqui habitavam e a história do seu Martim, benzedor famoso que morava no bairro Assunção, que com sua reza poderosa salvava as pessoas de picada de cobra. Contou-nos também histórias de assombração, a do funeral fantasma e dos espíritos que jogavam partes do corpo.