Dona Cotinha, Mineira, reside em São Bernardo a mais de 40 anos no bairro Parque São Bernardo. Foi ela que nos contou a história da “cobra que mama”. Até hoje ela faz o terço no dia de Santo Antônio, tradição que começou com sua sogra assim que a cobra foi morta e seu filho salvo. Dona Cotinha é também conhecida como a mãe do Ditinho da Congada.
Abaixo segue o trecho que fará parte do livro SERTÃO BRASIL, CAUSOS, PROSAS E POESIAS DE SÃO BERNARDO, contemplado pelo VAISBC-2013.
"...É Zuza, Zumira não é
facir não. Nem sabia dessa história... Semana passada eu tava com ela, como ti
falei, lá pras banda da antiga Ponte Alta, sudoeste das Minas. E o que quiocê
foi fazê pra lá? Fui ajudá a coitadinha, ela teve nenê e eu fui lá prestá meus
serviço. Mas eu nem te conto o que aconteceu, Zuza. Conte logo Zica, conte logo.
Cheguei lá antes do nenê nascê, dias antes. Fui eu mesma que peguei o menino. Que meninão, dava gosto de ver! Roliço, cor de
café cuado, pesava quase quatro quilos. Um MENINÃO. Mas o menino era do
sacristão? Hihihihi, não Zuza, é do João Janga, o vendedô de bilete di loteria.
O que tem pobrema nas pena? Esse mesmo, Zuza. Mas deixe te contá homi, foi que
os dia foi passando, passando e o menino ao invéis de ingordá ele tava era
esmagrecendo, esmagrecendo. Ninguém tava entendendo nada, já que a Zulmira
tinha leite que até parecia uma vaca leiteira. Eu cá fui disconfiandu. Tinha me
dado nas idéia o que pudiria ser. Pruque ocê sabe, né Zuza? Quiquano a muié tem
nenê ela ficá quarenta dias de resguardo, deitada na cama só dando de mamá pro
menino e tomando canja de galinha, que é pra dá sustança e bastante leite. Não pode
sair do quarto pra nada, nem o marido dromi na cama com ela, por isso fui pra
lá: pra cozinhá, lavá, passá e cuidá dos outros fiim dela. Quando o menino já tava pele e osso, foi que dei o bote
e descobri o acontecido. Era meio da tarde, naquela hora em que as vaca se
deita no campo e ruminando vê o tempo queimado se arrastá. As criança tava na
escola. Tava só eu e a Zumira com o nenê, que ainda não tinha nome. Ela, drento
do quarto com o menino, drumino ou dando mamá, de certo. Cresci meuzovido pra cima da porta e vi que não
tinha baruio nium. Divagarim abri e
fui entrando... E vi, vi mesmo, se não tivesse já visto antes, tinha duvidado
dos meus próprio zóio. Vi uma cobra
grande, mas dessas grande mesmo, mamando nas teta da Zumira e o nenê mamando o
rabo da dita. Não tive dúvida, corri na cozinha, amornei uma água e com ela
umideci um pedacinho de pano. Tirei o menino devagarim, e o pano eu enrolei no
rabo da cobra, de modo que ela continuava achando que a boca do menino tava lá inda.
Peguei a faca e fac, fac, fac, com três cortes certeiros matei a cobra. Zumira
que drumia, acordô assustada, tadinha, era só pena. Mas Zica, como a cobra
podia mamá nela? E cobra mama? Mama, Zuza, mama sim. O primeiro leite da mãe é
muito nutritivo e as danada sabe disso, sente o cheiro de longe, vem se
esgueirando, entra pela porta sem ninguém vê e se esconde debaixo da cama;
quando a mãe vai dá de mamá, ela devagarim, sobe na cama, enfeitiça a mãe, que
dromi, dá o rabo pro nenê e mama todo o leite, por isso o menino não engordava,
era isso Zuza, era isso. Com o susto o leite da Zumira secô e tivemo que criá o
menino na taipa do fogão à lenha. O menino ficô tão magrim, enrugado que
parecia um véim, logo o povo começo a
chamá ele de véio da tia Zumira. Dispois minha subrinha começo a discascá
intera, quiném cobra. ARRE, Zica! Isso tudo aconteceu pros meado de maio e
junho. Dia 13 de junho a Zumira foi fazê um terço pra Santo Antônio, pra modi o menino miorá. Proque ocê sabe, né Zuza, que, Santo Antônio não é só Santo
casamenteiro não, ele é o santo das enfermidades tumém. Foi batata! O menino
começô a engordá, engordá que só. Não tivemo dúvida, pusemo o nome dele de
Antônio e Zumira estipulô que todo dia de Santo Antônio ela vai rezá um terço
pro santo agradecendo a graça recebida.
Isso aí é trem do Canhoto,
Zica! Dele, o Dito, Sete Pele, Arrenegado, o Côxo, só pode sê. Olhe Zuza, pode
até sê, mas não sei não. Dizem que a cobra que mama tá enfeitiçada, mas isso eu
não posso afirmá. Só posso dizê que cobra mama e mama mesmo, pois já vi mais de
duas mamando. Isso tudo que contei é verdade verdadera. Os dotô da cidade diz
que cobra não mama, mas digo e afirmo que mama sim, pois já vi com esses zói que vão virá estrela poesia.
Que mané estrela
poesia, o quê, sô?"
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